Na última década, Alagoas registrou uma queda brusca do número de
pessoas que vivem em situação de miséria, reduzindo esse quantitativo,
entre 2003 e 2013, de 1.135.933 milhão para 407.394, conforme dados do
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada (Ipea). Apesar dessa boa
notícia, a linha descendente de pobreza no estado voltou a subir no ano
passado, quando feita uma comparação com 2012, indo na contramão da
região Nordeste, que foi a única do país a não registrar esse tipo de
aumento. Com 12,34% da população vivendo em situação de extrema pobreza,
Alagoas amarga a segunda colocação no ranking dos que têm o maior
número de miseráveis, ficando atrás apenas do Maranhão, onde esse
percentual é de 17,29%.
São considerados extremamente pobres aqueles que não têm acesso, sequer,
aos alimentos que garantam o mínimo de calorias necessário para suprir
adequadamente uma pessoa. São famílias que passam fome e enfrentam
dificuldades diárias para sobreviver. Com uma renda de R$ 200 para
passar o mês e sustentar os três filhos, a marisqueira Lucélia Alves da
Silva, de 37 anos, enquadra-se nesse perfil. Moradora da Comunidade
Mundaú, ela estava há 24 horas sem se alimentar no momento em que falava
com a
Gazetaweb .
Para amenizar a dor da fome, Lucélia se rendeu ao vício do álcool e
agora não passa um dia sem ingerir aguardente. “Eu só me alimento de vez
em quando, quando distribuem sopão aqui na lagoa ou quando alguém me dá
o que comer. Enquanto isso, tomo cachaça”, conta a alagoana, que ganhou
um copo com comida de um amigo minutos depois de iniciar a conversa com
a reportagem.
O desempregado Edson José da Silva, de 43 anos, é outro que integra as
estatísticas da extrema pobreza no Estado. Sem renda fixa, sem alimentos
na dispensa de casa e sem expectativa de conseguir ter alguma refeição
ao longo dia, ele também bebia e tentava esquecer os problemas por meio
do álcool. “Não tem nada na minha casa. Não tem sururu na lagoa e eu não
consigo emprego. O que me resta é beber”, afirmou.
No município de Senador Rui Palmeira, no Sertão do Estado, a
agricultora Isaene Neves da Silva, de 38 anos, sustenta a família de
cinco pessoas com a renda do Bolsa Família e do pouco que consegue tirar
do trabalho na roça, uma média mensal de R$ 500. Sem estudo e nem
oportunidades, ela diz que não é raro faltar comida em casa e que,
quando tem, é somente o suficiente para não passar fome.
“Se não fosse o dinheiro do Bolsa Família, ia ser muito pior, porque o
que tiramos da roça é cerca de R$ 150. A vida aqui é difícil, mas eu não
tenho o que fazer. Sou analfabeta e só sei trabalhar na roça”, falou.
DOMICÍLIOS
Segundo dados do Ipea, divulgados neste mês de novembro, Alagoas tinha,
em 2013, um total de 109.561 domicílios extremamente pobres. Em 2012,
esse quantitativo era de 89.195, o menor registrado na última década. Em
2003, eram 220.577 domicílios nessa situação. De acordo com o
economista Cícero Péricles, o crescimento da miséria, no ano passado,
tem relação direta com a falta de recursos destinados a programas que
possam garantir a ascensão continuada das pessoas.
“O modelo de inclusão social via transferência de renda, benefícios
previdenciários e outras políticas públicas é positivo, mas tem um
limite que é próprio desse tipo de intervenção, que retira a família e o
cidadão da miséria, da extrema pobreza, mas não garante a continuidade
dessa melhoria, ficando sempre na fronteira entre sua situação atual e o
que foi recentemente. Assim, um ex-miserável que não consegue ascender
um pouco mais, pode, a qualquer momento, voltar para a antiga situação.
Nos últimos anos, o baixo crescimento da economia nacional e a inflação
também ajudam a explicar essa parada na queda do número de miseráveis no
país e em Alagoas. Para que as políticas públicas sejam mais
eficientes, se faz necessário que programas de desenvolvimento baseados
na criação de riqueza, na geração de emprego e renda na produção real
sejam implantados”, afirmou o especialista.
As políticas públicas implementadas pelo governo de Alagoas, por meio da
Secretaria de Estado da Assistência e Desenvolvimento Social (Seades),
são voltadas para garantir às pessoas alimentos equilibrados
nutricionalmente para que, bem alimentadas, elas possam trabalhar e
gerar renda, melhorando as condições de vida. Um dos projetos
implementados com esse objetivo é o Restaurante Popular do Benedito
Bentes, que oferece mil refeições diárias ao valor de R$ 2. Há também o
projeto de Cestas Nutricionais, que beneficia gestantes alagoanas, e o
que distribui, diariamente, 4 mil litros de sopa nas comunidades
carentes da capital.
“Pode parecer assistencialistas, mas nosso trabalho é voltado para a
segurança alimentar. Damos o suporte para que as pessoas possam dar
continuidade, de forma autônoma, às suas vidas”, ressalta a diretora de
Promoção e Vigilância em Segurança Alimentar e Nutricional da Seades,
Ana Paula Santos.
NORDESTE
Mais da metade dos que vivem em situação de miséria no país está
concentrada no Nordeste. Um percentual de 56%, equivalente a 10,5% da
população da região. Em 2003, eram 15,5 milhões de pessoas nessa
situação, enquanto no ano passado, esse quantitativo foi de 5,8 milhões –
uma redução de quase 1/3 em uma década. Apesar dos avanços, a média de
miseráveis do Nordeste ainda é mais que o dobro da nacional, de 5,2%. A
boa notícia que os dados do Ipea trouxeram é que a região foi a única do
país a registrar redução da extrema pobreza em 2013. Sul, Sudeste,
Centro-Oeste e Norte tiveram aumento desse número.
Segundo o Cícero Péricles, a diminuição no Nordeste se deu por uma
combinação de vários fatores. Um deles é o número de previdenciários,
que doboru na última década, passando de 4,4 milhões em 2003 para 8,8
milhões em 2013. O Bolsa Família - que beneficia 6,5 milhões de
famílias, que recebem R$ 1,1 bilhão mensais - e a geração de novos
postos de trabalho também foram importantes nesse período.
Hoje, a Previdência Social paga o equivalente a R$ 6,6 bilhões por mês
aos seus beneficiários nordestinos. O Bolsa Família teve participação
importante, mas é de menor impacto que a previdência social.
Simultaneamente, houve um aumento no número de trabalhadores com
carteira assinada, que passou de 5 para 9 milhões de assalariados com
contrato formal de trabalho. Como o Nordeste possui 19,2 milhões de
famílias, a cobertura dessa rede pública (previdência e bolsa família)
mais a renda dos nove milhões trabalhadores formais atingem praticamente
todas as famílias da região. Essa combinação de atuação das políticas
públicas mais a geração de empregos é a razão central da queda nos
índices de miséria”, explica.
POBREZA
Os dados do Ipea também tratam do número pessoas em situação de pobreza,
que se afastam da situação de miséria por terem uma renda mensal de R$
70 per capita. Cerca de 1/3 da população do Estado se enquadravam nesse
perfil em 2013, um total de 1.109.016 pessoas, distribuídas em 264.543
domicílios. O número é altíssimo, mas representa quase a metade do
registrado em 2003, que foi de 2.027.650 alagoanos. Também é menor que o
de 2012, de 1.120.044.
A integrante da Cooperativa dos Catadores de Lixo da Vila Emater
(Coopvila), Damiana Maria da Silva, de 44 anos, sabe bem o que é viver
com poucos recursos e garantir alimento diário para toda a família. Com
uma média mensal de R$ 550, provenientes do trabalho e do Bolsa Família,
ela sustenta dez filhos. “Tem que sobreviver né? Tem que comer pouco,
porque se comer demais não dá para sobreviver. Tem que comer no limite”,
afirma.
Ela diz que já enfrentou a falta de comida em casa, mas que nos últimos
meses isso não tem acontecido. “Agora parou mais, mas de vez em quando
faltava comida sim. Quando isso acontecia eu ia catar na rua. Catava
reciclagem na rua, trazia e vendia para dar comida a eles [aos filhos]”,
fala.
Antônia Paulo dos Santos, de 53 anos, também enfrenta uma situação
difícil. Com uma média mensal de R$ 350, ela precisa sustentar a casa e
os quatro filhos. A feira, que representa um gasto de R$ 180, não dá
para chegar ao fim do mês e ela precisa recorrer ao “fiado” para
conseguir alimentar a família.
“É o jeito viver com esse dinheiro. Já chegou a faltar comida em casa,
mas fazer o que? Eu me aperreio, chamo o homem da feira, faço um
contrato e eu pago em duas, três parcelas”, afirma Antônia, que é
integrante da Coopvila e trabalha de domingo a domingo.
Apesar de todas as dificuldades, a esperança ainda existe. Maria Célia
Silva dos Santos, de 31 anos, é a prova disso e sonha em ver os quatro
filhos chegarem à universidade. Com uma renda mensal de cerca de R$ 500,
ela alimenta sonhos e educa as crianças para eles se realizem. “Estou
me esforçando o máximo para isso. O que eu ganho não dá para comer bem,
mas meus filhos sabem que eu faço o que posso e que precisamos
sobreviver com o que temos. Já falei pra eles que eu fico velhinha
trabalhando, mas vou ver todos eles na universidade”, disse Maria, que,
como tantas outras, esperam dias melhores.